O skate existe desde os anos 60, já se vão mais de cinquenta anos e ainda em muitos lugares ele é visto como um problema a ser extirpado. Apesar de sua massificação recente devido ao leque de modalidades e diversidade de praticantes, o skate ainda é julgado como ameaça a "ordem social'.
Somente este ano participei de três reuniões muito proveitosas com a prefeitura e recentemente duas entrevistas. Uma delas tratou o skate como um causador de transtornos aos pedestres e outra que abriu espaço para irmos mais fundo e tentarmos sair da superfície do "problema" para encararmos o skate como uma solução.
Diálogo: existe uma luz no fim do túnel |
Em particular uma discussão que está se estendendo é o convívio entre pedestres e skatistas na praia de Camburi em Vitória, Espírito Santo. Quem caminha ou corre pela orla, principalmente nos horários de pico se sente ameaçado e incomodado com os skates no calçadão. O texto é que o espaço está pequeno para tantas pessoas e o perigo de graves acidentes é iminente.
No meu ponto de vista o skate não é o problema, o problema é a falta de espaços públicos para o lazer e a prática esportiva. Por muitos anos várias cidades esqueceram de se planejar e pensar nas pessoas, hoje sentimos as conseqüências deste descaso na disputa por centímetros a mais nas orlas, parques, quadras e etc.
Skate: tamanhos, possibilidades, modalidades e espaços diferentes |
É claro que espaços destinados ao skate são bem vindos e ajudarão muito no desenvolvimento do esporte. Porém o skate, diferente de outros esportes, possui diversas modalidades que tem a necessidade de espaços diferentes para sua prática. Um skate parque atende apenas uma parcela destes praticantes.
Um ponto a ser entendido é que o skate nasceu na rua e para rua, pensar em eliminar isso é ir de encontro a um novo conceito que se espalha pelo mundo. Pensar o skate como um meio de transporte alternativo. Sim temos a chance de contribuir para a melhoria da mobilidade urbana. Somos parte da solução e não do problema.
Rua: Um espaço a ser repensado e replanejado para o skate |
Abaixo segue uma entrevista muito boa que tive com Fábio Andrade - Universo UFES. Estudante de jornalismo da UFES (Universidade Federal Do Espírito Santo) aonde conversamos sobre o impacto do skate em Vitória. O que na verdade se repete por várias cidades pelo Brasil.
Por Fábio Andrade, Leonardo Ribeiro
e Leone Oliveira - Basta dar uma passada rápida por vários lugares da
cidade: no calçadão, nas praças, nos parques ou mesmo na rua, você, muito
provavelmente, vai encontrar um ou vários skatistas se locomovendo ou
treinando manobras a bordo de seus “brinquedos”. Mas… É brinquedo ou é
meio de transporte?
Esse é o cerne da discussão
proposta por Alexandre Guerra sobre o lugar do
skate nas ruas de Vitória, mais exatamente no calçadão da Praia de
Camburi. No último verão, o debate, literalmente, esquentou: temendo
colisões com skatistas, pessoas que utilizavam o calçadão para caminhar ou
correr levaram suas queixas ao conhecimento do Ministério Público,
que acionou a Prefeitura de Vitória. Começava aí uma longa discussão, que
à primeira vista parece ser apenas sobre o skate, mas que passa pelo uso
compartilhado das vias pelas diferentes modalidades de locomoção e por
alternativas de transporte na cidade.
Alexandre defende um novo olhar acerca do lugar do skate nas
vias. Aos 38 anos, o empresário – também skatista desde os anos 80 e um
dos webmasters do euamolongboard.com –
acha que chegou o momento de pensar na prancha sobre rodas para além de
sua função como brinquedo, passatempo ou prática esportiva: “na legislação
do Brasil, o skate, é tratado como um brinquedo. Não é visto como meio
de transporte. Não sei se isso vai mudar, nem quanto tempo vai levar para
mudar. Talvez as pessoas se conscientizem de que não precisa primeiro
mudar a lei. Eu posso começar a mudar o discurso e tornar isso um hábito.
Muitas vezes, a mudança nas leis vem a reboque de mudanças
comportamentais”, pondera.
Sob a luz do Código de Trânsito
Brasileiro (CTB), o skate vive numa espécie de limbo. De acordo
com o artigo 96, ele seria enquadrado, quanto à tração, como veículo de propulsão
humana. No entanto, diferente do que acontece com a bicicleta, ele não é
citado nas outras classificações que diferenciam os veículos como de
passageiros ou de carga, o que dificulta, legalmente, que seja determinado
um tipo de via específico onde o skate deva trafegar. Diante disso,
Alexandre acredita que apenas o uso compartilhado das vias aliado ao bom
senso dos transeuntes pode garantir a convivência pacífica entre skates,
bicicletas, patins e pedestres.
Entrevista – Alexandre Guerra,
praticante do skatismo.
Universo Ufes (UU) – Quem gosta de andar de skate encontra locais para conseguir
fazer isso hoje em Vitória?
Eu gosto de andar sem parar e para esse jeito de andar eu
preciso de espaço. Eu preciso da Praia de Camburi, do começo ao fim. Eu
gosto de andar muito na rua também, ou bem tarde da noite ou bem cedo,
pela manhã, para não correr risco de encontrar com carro por aí. Eu acho
que falta um pouquinho de espaço quando a gente fala da orla. Com a
reestruturação, a praia ficou mais cheia, tem mais gente frequentando à
noite. Dos últimos benefícios que a cidade ganhou esse tem sido um dos mais
importantes.
UU – Skatistas, ciclistas,
patinadores e pedestres estão dividindo então um lugar que está mais
cheio. Vocês concorrem ou convivem nesse local?
O calçadão é um espaço totalmente de convivência. Eu acho que o
ponto é este: várias pessoas enxergam a convivência entre pedestres,
ciclistas e skatistas como uma disputa. Tem pessoas que não gostam de
skate ali, tem pessoas que não gostam de patins ali, mas eu acho que elas
têm que aprender a conviver, como os skatistas também têm que aprender a
conviver com as pessoas, que estão ali caminhando e correndo. É preciso
respeitar, saber que tem riscos, minimizar esses riscos, porque a última
coisa que eu quero é machucar alguém quando estiver andando de skate.
Vai ser péssimo para mim, eu vou ficar muito chateado, e péssimo para a
pessoa que tomar uma trombada. Eu não quero me machucar e não quero
machucar os outros, não quero causar mal estar. Para conviver tem que ter
bom senso, respeito, educação, uma série de coisas que muita gente tem e
outras não têm. O problema ali não é o skate, não é a bicicleta, nem o
patins, nem quem corre, são as pessoas que tem que se respeitar e aprender a
conviver e a dividir o espaço.
UU – E quem gosta do skate para
fazer manobra, encontra espaço para essa prática em Vitória?
Basicamente a gente tem a rua, o Tancredão, Praça dos Namorados
e há o projeto de mais uma pista no final de Camburi, próximo ao Viaduto
da Vale. É pouco pelo que o skate representa em Vitória. São vários
praticantes e falta espaço e também estrutura. Mas está caminhando para
melhorar. Diferente de outras administrações, essa está muito aberta a
conversar e frequentemente tem chamado todo mundo que representa o skate a
discutir os projetos. Isso é interessante. O projeto a ser realizado no final da Praia de Camburi atende às
pessoas que levam obstáculos e usam o calçadão para fazer as manobras.
Esse projeto cria uma estrutura. O moleque que anda de skate vai se desenvolver
muito melhor numa pista bem feita do que improvisar com caixotes e afins
no meio do calçadão. Acho que é menos risco para todos. Mas é muito
difícil chegar e falar: “agora eu fiz isso aqui para você e você vai andar
só aqui.” Isso não vai acontecer, vai ter gente que vai andar lá e vai ter
gente que vai sair de lá e andar em outro lugar. O skate não é algo que
você coloca numa jaula. Não é natação, que só usa a piscina, nem jogo de
tênis que é só na quadra.
UU – Em janeiro houve a polêmica em
torno do uso do skate no calçadão e foram determinados horários para seu
uso em Camburi. Isso ainda vem sendo cumprido?
O Ministério Público recebeu algumas denúncias da população
sobre problemas com skate e patins no calçadão. As pessoas que caminhavam
reclamaram e isso foi relatado para nós numa reunião com a prefeitura.
Havia um risco iminente de acidente e a prefeitura foi notificada e teve
um prazo para tomar uma atitude. A prefeitura, na minha opinião, passou as
coisas de um jeito que não foi entendido pela imprensa. A prefeitura não
falou em proibição, eu vi uma matéria num jornal às 8 da manhã com um
secretário pedindo para os skatistas utilizarem a ciclovia. Disso o que foi
passado para a população foi: “o skate está proibido no calçadão, quem
quiser andar de skate anda na ciclovia.” A mensagem foi essa. Então os
skatistas reclamaram, criou-se a polêmica e a prefeitura acabou chamando
alguns representantes, inclusive eu, para conversar. Nós chegamos num
consenso: no período de 6 às 10 da noite, em que as arenas funcionam no
verão, há uma aglomeração muito grande no calçadão e a gente iria evitar
esse horário de pico. Em nenhum momento foi falado em proibição ou que não
podia andar.
UU – A ciclovia é um lugar adequado
para o skate?
Hoje em dia, em vários lugares do mundo, e aqui no Brasil isso
está começando, o skate vem se tornando um meio de transporte alternativo.
Em algumas cidades a ciclovia é compartilhada entre skate, patins e
bicicleta para pessoas que vão se locomover, não para fazer manobra ou
para utilizar como área de treino. É para você sair da sua casa e ir para
o trabalho, sair do trabalho e ir para algum lugar, como um corredor de
passagem, de transporte mesmo. Nesse caso, eu acho que funciona,
mas precisa educar as pessoas para utilizar da forma certa.
UU – Em que locais do mundo essa já
é uma visão sedimentada?
Em Nova York e Amsterdam é assim, acho que em Londres também,
mas aqui no Brasil, infelizmente, ainda não se pensa dessa forma. Por aqui
ainda falta entender o skate como um meio de locomoção. Acho que a gente
está começando esse processo.
UU – O Brasil convive com a opção pelo transporte rodoviário e há pouco
espaço para meios de transporte alternativos, ainda que tenha
existido algum aumento de ciclovias em Vitória nos últimos anos. Você
acredita no skate como meio de transporte dentro dessa realidade?
Acredito. Nas distâncias curtas o skate vai te atender. Hoje em
dia, várias indústrias vêm desenvolvendo mecanismos de tração para o
skate. São componentes mecânicos ou elétricos pequenos acoplados na roda
que têm uma autonomia e vão dar tração para andar, alguns com um esquema de
freio. O skate está evoluindo para esse lado. Pode funcionar como meio de
transporte por ser pequeno e fácil de levar, não é como a bicicleta, que
você precisa guardar em algum lugar e ter um cadeado. Um skate pequeno, de
30 polegadas ,
você coloca debaixo da cadeira na sala de aula. E se tiver tração você
chega sem precisar remar. E além de tudo é verde, você tira as pessoas do
trânsito, economiza tempo e se diverte, são muitas vantagens. Evita
o aborrecimento que é ficar no trânsito, você coloca sua musiquinha no
ouvido e pronto.
Para ver o conteúdo completo acesse: http://universo.ufes.br/blog/2013/08/alexandre-guerra-falta-entender-o-skate-como-um-meio-de-locomocao/
Mais uma vez agradeço ao Fábio pela oportunidade e espero ter contribuído um pouco para o amadurecimento e a possibilidade de novos diálogos sobre o espaço destinado ao skate.