segunda-feira, 20 de abril de 2015

[Entrevista] Jorge Pena - Sobre o Skate e a Vida

Nestes últimos oito anos de longboard fiz inúmeros amigos de diferentes modalidades de skate, do Dancing ao Street. Um deles foi Jorge Pena, que ganhou seu primeiro skate no dia das crianças de 1998. Hoje com 26 anos de idade e 16 deles dedicados ao skate, ele é o que podemos chamar de skatista de alma e coração.

Tive a honra de participar do seu projeto final de faculdade que foi o vídeo abaixo. Jorge consegue captar profundamente muito do que sinto, do que me impulsiona e inspira em relação ao meu envolvimento com a cultura do skate. Neste vídeo Jorge já mostra que o seu olhar enxerga o skate de forma diferente. Não deixem de ver e espero muito que de alguma forma estas imagens e depoimentos sejam relevantes para vocês assim como foi para mim.


Recentemente de passagem pelo Brasil fiz essa entrevista com Jorge. Local do encontro: uma tradicional pista de skate em nossa cidade. Após dois anos morando na Austrália, aonde trabalhou (e trabalha) como fotógrafo, videomaker, barman e é claro também andou muito de skate e fez vários outros amigos por conta do carrinho. Além de mandar bem no street montou um cruiser para percorrer as ruas de Sydney em direção ao seu trabalho. Nos encontramos para ele conhecer minha filha e para vários bate papos, um deles foi esta entrevista. 



Com os anos sua visão sobre o skate se modificou e amadureceu, assim como a minha, porém nunca deixou de perceber o papel fundamental que este “pilar” teve na construção da sua vida, no seu caráter, na sua atitude e no respeito com todas as pessoas que andam ou não de skate.

Esta entrevista é dedicada a todos os skaters, independente da modalidade que praticam, mas que levam dentro do peito o mais importante: o amor e a liberdade que apenas o skate proporciona.

BS Grind - Foto: Luis Fernando


1-Nome:
Jorge Pena

2-Idade:
26 anos

3-Tempo de skate:
16 anos

4-Locais favoritos para andar?
Qualquer lugar com piso liso, plano e se tiver um palquinho já está perfeito. 

5-O que o skate representa pra vc?
O significado mudou bastante, passei por vários momentos e várias fases, mas a diversão permanece em primeiro lugar. O skate foi um canal de auto descoberta para mim, aonde eu pude explorar várias coisas e acredito que se eu não tivesse conhecido o skate, isso não seria possível. Falo isso, desta grande influência, tanto no campo pessoal quanto no profissional. 

                  THE SKATE HOUSE VIDEO from SKATE HOUSE on Vimeo.

6- Fale um pouco mais disso. Cite estas principais influências que o skate trouxe para você.
Quando eu era mais novo eu gostava de desenhar, acho que isso veio da minha mãe e do meu avô que eram bem criativos. Quando eu comecei a andar de skate os shapes eram muito desenhados, tínhamos vários adesivos, revistas, víamos muitos vídeos e percebi toda a cultura visual que estava inserida no skate. 

Eu não tinha grana para ter uma câmera fotográfica ou filmadora, mas tive a sorte de ter amigos que tinham. Eu pegava emprestado durante as sessions e ia fotografando e filmando, me divertia muito com isso. Com o tempo fui me interessando, fiz faculdade de design gráfico e hoje em dia trabalho com isso. Nos últimos anos meu ganha pão foi baseado nisso, fotografia, vídeo e design gráfico. Tudo isso por causa do skate. 

Saindo deste campo e entrando na parte das relações humanas. O skate me ajudou a me relacionar socialmente, estava sempre na rua e aprendi a respeitar e conquistar o respeito, o skate me ensinou isso por eu estar em contato com várias pessoas em cidades diferentes. Aprendi muito sobre a diversidade e a diferença entre as pessoas, isso me ajudou muito a entender e compreender melhor as pessoas.



7-Pegando o gancho da diversidade. Como você encara a diversidade de modalidades hoje em dia? Na sua opinião tudo é skate ou você divide isso? Você acha que existe um perfil diferente entre cada skatista e a modalidade que ele pratica? 
Até os meus quinze anos eu achava que só existiam três cortes de skate, aquele da década de oitenta, o atual e o longboard que era o grandão pra descer ladeira. Até aquele momento eu devia ter visto cinco longs durante toda minha vida. Como meu trabalho final na faculdade acabou sendo sobre skate eu tive que pesquisar mais profundamente a sua história e descobri algo muito maior. Diferente do que eu acreditava o skate não havia começado nos anos de mil novecentos e setenta, e sim nos cinquenta. Bem antes da geração do Toni Alva.

Voltando ao raciocínio, eu acho o skatista de uma forma geral muito preconceituoso. Eu já fui muito assim, muito "cuzão", preconceituoso. Hoje não ligo pra essas coisas, o que me importa é estar em cima do carrinho me divertindo com meus amigos, independente do corte do shape.

As modalidades e variações existem, vemos isso nas ruas, o que faz a diferença é a forma que a pessoa encara o skate. Pra mim o skate transcende o rótulo de esporte. Este é o ponto que o difere dos outros esportes, por exemplo, o fato de você andar de skate pode transformar a sua vida por toda a vastidão cultural envolvida nisso e por isso acabar se tornado um estilo de vida. Acho que o ponto divisor de águas é este, o cara que anda de skate e o cara que é skatista.

8- Você nasceu no skate street e assim como eu acompanhou a evolução e o crescimento de outras modalidades. A ideologia do skate está presente em todas as camadas ou ela é mais latente dentro da modalidade street?
Hoje em dia o Longboard cresceu muito e a cultura do cruiser principalmente, vejo isso dentro do Brasil como fora. Na Austrália é comum ver pessoas se deslocando para o trabalho com um cruiser devido a arquitetura e clima mais favoráveis. Eu espero que toda essa gama do longboard consiga construir uma cultura densa e forte assim como o skate street conseguiu. Mesmo sendo skate, é diferente em alguns pontos, porém depende da sua comunidade conseguir se conectar e contribuir para todo esse material humano que considero o mais importante e a mais legal de toda a história do skate.

Acredito que o preconceito do skatista de street com relação ao longboarder vem daí, pelo fato de ver muitas pessoas andando de long e não ver este cara compartilhando o mesmo life style ou tentando construir uma cultura. Talvez acaba sendo isso que afasta o skate do patins também, por essa falta de profundidade em sua cultura.

Pelo tempo de vida do street e pelo fato dele estar na rua o seu ponto de conectividade com arte visual, música, arquitetura, etc, acabaram fazendo a cultura do street skate ser mais densa. Hoje o skate tem vários recortes e o longboard é um deles, no meu otimismo espero ver algum dia o longboard e todas as outras vertentes do skate irem tão profundas quanto e até se fundirem. 

9-Com relação a cena australiana e a brasileira, podemos traçar um paralelo comparando-as?
Moro em Sidney há quase dois anos, lá estão todas as marcas mundiais, porém as marcas locais são muito fortes e são muito valorizadas e respeitadas, aqui no Brasil eu não vejo essa valorização das marcas locais ou pequenas. Uma exceção são algumas marcas do Rio e isso é muito legal de ver.

A arquitetura da cidade contribui muito, aqui temos vários pisos de pedra portuguesa o que lá não existe. Lá um bom piso é muito mais fácil de achar. Por isso as pessoas tem muito mais chance de se deslocar de skate.

Sobre pistas, como aqui lá tem muito elefante branco, mas muitas pistas boas também, sobre skate park é muito parecido. Lá eles usam um piso meio que um cimento queimado aqui usamos granilite que eu prefiro pois machuca menos quando cai.



10- Lugares que você indica para andar na Austrália
Se você for de long qualquer lugar lá eu indico, tem muito piso bom, para street sugiro Sidney e Melbourne e bons skate parks em Cambra e Gold Cost. 

11-Existe uma diferença de estilo entre os skatistas brasileiros e australianos?
Tem uma diferença, é mais solto, livre e criativo aqui no Brasil. Lá é uma galera muito compromissada em copiar o estilo americano.

12-Sobre a tendência do skate como meio de transporte, você nota isso com maior força fora do Brasil? 
Sim, lá eu tenho um cruiser para me locomover assim como várias pessoas. A arquitetura contribui e a gente se sente um pouco mais seguro pois os motoristas são um pouco mais educados e respeitam um pouco mais. Lá o cruiser facilita muito a minha vida, eu uso para tudo. Aqui no Brasil eu não consigo por conta do piso e da falta de estrutura das vias. Por esse motivo aqui acabo andando de bicicleta.



13-Qual o maior impacto positivo e negativo do crescimento da popularidade do skate?
Positivo, muitas marcas e mais acesso a peças. Muitas marcas pequenas surgindo e sendo criadas por skatistas e muitas destas tendo a oportunidade de se tornarem grandes e por consequência teremos um mercado mais saudável. Hoje temos muito mais gente envolvida alimentando a cultura do skate. De negativo, acaba que temos mais pessoas apenas andando de skate por andar, sem se envolver e passando uma imagem esquisita, fortalecendo a cultura do skate preconceituoso. A saída é largar esse cara pra lá e curtir o seu role. A parte negativa sempre existirá, mas ela cava a própria cova sozinha. 

14-Você nota alguma grande diferença entre a sua geração e as gerações posteriores de skatistas?
A principal diferença hoje é o acesso a informação, assim o nível de evolução é muito mais rápido que na minha época. 

15-Estamos partindo para uma ampliação do esporte televisionado, aparentemente o mercado do skate vê na TV uma grande oportunidade para o seu crescimento. Como você enxerga o skate no futuro?
Teremos o lado mais marketeiro mesmo, de grandes eventos grandes atletas, campeonatos que darão valor a manobra e não ao estilo, como também teremos o lado independente daqueles skaters que não ligam para isso. Acredito que estes dois mundos irão crescer muito. Daí caberá a cada um escolher um lado ou não.



16-Quais são seus skaters favoritos e porque?
Quando comecei a ver vídeos de skate conheci o Rodney Mullen e fiquei impressionado. Hoje o vejo ainda mais como um ser humano iluminado, um cara inteligente, de caráter inspirador além de ser um exemplo de skatista. Outros que me inspiram tanto pelo skate como pela forma de filmar e fotografar são o Cesar Gordo, Fábio Cristiano, Renato Custódio e Fábio Samelo. E a cena de skate mais inspiradora do skate brasileiro está no Rio de Janeiro, tenho vários amigos por lá. Em especial destaco o que eles fazem na praça XV, o skate de uma forma geral tem muito o que aprender com o que eles estão fazendo por lá. 

17-O skate saiu da rua? De uma certa forma esta geração de novos skaters dependem e esperam mais do poder público. O skate mantém seu poder de engajamento ou com o tempo isso diminuiu?
Acredito que o engajamento diminuiu, éramos mais independentes, transformadores, reativos e questionadores. O skate na rua te dá uma vivência mais imprevisível em um ambiente mais intenso. A pista é um ambiente mais controlável e confortável. Só andar na pista é deixar uma parte importante do skate para trás. A rua deve ser experimentada e não só sermos skatistas de pista. Mas acho que tanto a rua quanto a pista servem para evoluirmos, o importante é deixar a cabeça aberta e não rasa. Sempre terá alguém para deixar a chama acesa e isso é o mais importante.

18-Uma mensagem final para nossos leitores, por favor.
Ande de skate para você, divirta-se e não se preocupe com os outros!